Do ponto de vista gastronômico, histórico e folclórico, é o mais brasileiro dos bolinhos salgados e fritos. De quebra, diz-se caipira. Tem como rival o de bacalhau, que é português; o acarajé, de origem afro-árabe; e o quibe frito, vindo do Oriente Médio. Referimo-nos ao bolinho caipira, típico do Vale do Paraíba, a leste do Estado de São Paulo.
Fora da sua região natal, muitos o desconhecem. Entretanto, desfruta ali de enorme popularidade. Anos atrás, os caipiras do Vale do Paraíba evitavam comê-lo diante dos forasteiros. Julgavam-no singelo demais. Preferiam ser vistos saboreando um prato de macarrão. Hoje, a região promove festas em seu louvor.
Em São José dos Campos, organizou-se um concurso de receitas no festival gastronômico local, com a participação de donas de casa e cozinheiros profissionais. Jacareí dedica-lhe a Feira do Bolinho Caipira Regional, realizada em junho. No ano passado, cinco municípios do Vale do Paraíba exibiram as suas receitas. Embora seja encontrado o ano inteiro, junho é o mês do petisco. Faz sucesso nos arraiais de Santo Antônio e São João. Não falta nas quermesses. Bate em popularidade o pé de moleque, a canjica e o bolo de fubá.
Habitualmente, leva carne ou linguiça. Mas revela variações no recheio. A carne pode ir crua (São José dos Campos) ou cozida (Taubaté). Em São José dos Campos, constitui uma bolinha de carne moída. Em Caçapava, mistura-se a carne à massa. Em Jacareí, o recheio é de linguiça. Já a massa em geral combina as farinhas de milho branca e amarela, ou apenas uma delas; em certos lugares, acrescenta-se a de mandioca. Molda-se o quitute em formato de minizepelim ou de croquete. Frita-se em óleo bem quente.
Há controvérsias quanto à sua origem. Uma versão diz que surgiu antes da colonização portuguesa, inventado pelo índios puris, primeiros habitantes do Vale do Paraíba. Eles fariam bolinhos envolvendo piquiras (peixes miúdos) em massa de mandioca. Mas a explicação esbarra no fato de os índios não saberem fritar. Outros sustentam que foi criado por tropeiros do século 17 e 18, quando paravam para comer. O recheio mudaria conforme o que houvesse disponível, carne ou peixe.
Os primeiros registros de sua comercialização, porém, datam de 1925, quando uma senhora chamada Nicota Gehrke vendia-o no Mercado Municipal de Jacareí. Seus netos, Eduardo e Jussara Gehrke, seguem tocando o negócio.
Monteiro Lobato, a cidade que tem o nome do ilustre escritor da região, quer a sua parte. Seus moradores afirmam que o quitute foi criado por uma conterrânea e antigamente carregava o nome dela: bolinho da Toninha. Vendia-o no antigo mercado tropeiro, onde agora funciona o centro cultural, na Praça Deputado Antônio Sílvio Cunha Bueno. A seguir, a receita teria se espalhado pelo Vale do Paraíba.
Em 2010, Jacareí oficializou o bolinho caipira como patrimônio cultural imaterial da cidade. Todas as localidades da região deviam fazer o mesmo, pois o petisco está ameaçado por adaptações desfiguradoras. Em 2013, no Concurso de Receitas de São José dos Campos, apresentaram um bolinho caipira de forno, ao molho de hortelã, e outro batizado de Romeu e Julieta, recheado com goiabada e queijo. O petisco também foi preparado com filé de tilápia desfiada. Para completar, havia bolinhos vegetarianos, com carne de soja, queijo e ricota com tomate.
Nada contra inovações, mas é fundamental que a receita preserve a identidade. Não por acaso, em São José dos Campos, o mais disputado bolinho continua sendo feito à moda antiga, pelas voluntárias que ajudam as velhinhas do Lar São Vicente de Paula, da Rua Monteiro Lobato, 95, no bairro de Vila Rangel. É – e de longe – o mais saboroso.